Vivemos uma vida verdadeira ou uma vida de mentiras? Quanto de nossa vida é composto de motivações ilusórias que cedo ou tarde terminarão por ser desmascaradas?
Neste exato momento de nossas vidas, será que estamos, sem o saber, cativos de mentiras e fraudes das quais amargamente viremos a nos dar conta num futuro próximo ou, pior ainda, num futuro ainda distante? Será que estamos nos utilizando conscientemente de mentiras, para nos safar de situações embaraçosas ou para tirarmos proveito do nosso próximo?
Infelizmente, vivemos imersos num mar de mentiras. Se observarmos atentamente nossa vida passada, a maioria de nós, viajores da experiência carnal, constatará que fomos enganados diversas vezes por expectativas e pressupostos de vida mentirosos, e que sofremos muito por isso. Portanto, tapar o sol com a peneira em assunto tão significativo seria uma fuga voluntária, com total falta de discernimento.
Mentimos e somos alvos de mentiras. Mentimos por medo, preguiça, orgulho, soberba, vaidade, piedade, raiva e por várias outras motivações. Chegamos até mesmo a mentir inconscientemente por hábito ou condicionamento. Mentimos para manter o domínio e o controle sobre o próximo ou sobre uma situação. Mentimos sem escrúpulos, em coisas sem muita importância ou em assuntos gravíssimos. Mentimos para nós mesmos. Enfim, mentimos muito.
A pequena mentira, aquela que não envolve questões relevantes, é o tipo da falta moral vista com condescendência e, muitas vezes, como sinal de esperteza e habilidade, despertando em quem testemunha a pequena fraude, sorrisos discretos de aprovação. É no mínimo curiosa essa pequena concessão ao imoral, essa quase inversão de valores, somente por se tratar de matéria tida como pouco importante. É matéria pouco importante somente enquanto o observador não seja atingido, caso contrário o critério de avaliação do que é ou não importante passa e ser revisto e alterado. Pequenas espertezas são toleráveis por aqueles que não são atingidos, mas para os que sofrem as consequências tudo passa a ser uma afronta e os valores morais passam a ser considerados sem concessões. Jesus, conhecendo em profundidade essas manobras da nossa moral, quase sempre primitiva, chama-nos a atenção de maneira clara e incisiva: seja o seu ‘sim’, ‘sim’ e o seu ‘não’, ‘não’; o que passar disso vem do maligno. (Mateus 5, 37). E mais ainda, nos entrega o preceito moral por excelência: assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas. (Mateus 7,12)
A verdade por sua vez, ao contrário da mentira, não possui outra motivação válida que não seja a retidão moral, ou, em outras palavras, o comportamento moral/ético sem concessões ou restrições. Há na opção pela verdade, uma razão em si mesma, uma coerência natural, uma negação prática de tudo o que corrompe ou diminui a dignidade e os relacionamentos humanos, por isso ela – a verdade – é sempre e essencialmente moral e ética.
Os conceitos de moral e de ética estão profundamente ligados com o conceito de verdade, visto que entendamos por ‘verdade’, não somente o conteúdo daquilo que é dito ou escrito, mas também o conteúdo de tudo o que se comunica ao próximo através de ações, gestos, atitudes e posturas. Moral e ética são conceitos que se confundem, embora muitos estudiosos da semântica atribuam ao primeiro um sentido mais amplo e profundo e ao segundo uma aplicação prática do primeiro. Entretanto, o que há de comum em todas essas abordagens são a ideia de que ações, costumes, comportamentos e condutas serão morais e éticas se estiverem em harmonia com o que uma sociedade considera válido, do ponto de vista do bem e do mal, do certo ou do errado, do verdadeiro ou do enganoso, do que é ou não é bom para a sociedade como um todo e para os indivíduos que a compõem.
Dessa forma vê-se que a mentira, e por contrapartida a verdade, são conceitos intimamente ligados á ideia de moral, pois sempre envolvem o outro. Ainda que possamos mentir para nós mesmos, cedo ou tarde essa mentira atingirá o próximo, nunc
a de forma construtiva e frequentemente causando dissabores.
O papel da mentira é tão significativo na história moral e espiritual do homem que figura como protagonista no primeiro pecado humano registrado na bíblia, através da serpente maligna e mentirosa, gerando o que muitos chamam de pecado original. Ainda que se considere o engodo da serpente como mera alegoria ou mito, constata-se que a mentira esta sempre presente em todos os males da humanidade, sejam eles considerados de forma coletiva ou individual. A ideia de que o pior mal é o que está disfarçado de bem, ou seja, de que o pior mal é o que mentirosamente se reveste de bem, procede de tempos longínquos. O próprio Mestre Jesus alertou-nos sobre esse perigo quando declarou: cuidado com os falsos profetas. Eles vêm vestidos de peles e ovelha, mas por dentro são lobos devoradores. (Mateus 7, 15)
Por sua própria natureza a mentira é sorrateira, dissimulada e busca todas as brechas possíveis para introduzir-se nos relacionamentos humanos. Sua camuflagem é prodigiosa, contendo faces distintas que confundem suas vítimas, dentre as quais se encontra o próprio mentiroso. Vale a pena empreendermos esforços para escaparmos dos embustes da mentira conhecendo algumas das suas mil faces.
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